Se queremos o Brasil como potência olímpica, precisamos - primeiro e muito antes disso - nos transformar em um país desenvolvido. Olimpiadas de paris _1723230271450
Porto Velho, Rondônia - Confesso que não entendo nem gosto muito de tênis. Esporte com bola, para mim, tem nome: futebol – ainda que curta bastante vôlei e basquete (o americano). Mas conhecer o gênio e a genialidade do suíço Roger Federer (43) são apenas sinônimos de cultura geral, e não amor pelo “ping pong vitaminado”.
O sujeito é um monstro! Recordista de títulos de Grand Slam com 20 conquistas. É o segundo jogador a figurar por mais tempo como o número 1 do mundo. Disputou mais de 1.500 partidas ao longo de 24 anos, sendo 1.251 vitórias e 275 derrotas. Venceu 103 títulos. É literalmente o “Pelé” do tênis. Talvez maior.
Roger aposentou-se em 2022 com mais de 130 milhões de dólares acumulados em premiações oficiais. Dias atrás, assisti a um vídeo de um discurso seu em uma formatura (não sei se recente, ou não, e nem onde). Resumidamente, Federer explicou a razão de seu sucesso: “Cada ponto disputado valia a própria partida“.
Os detalhes importam
O tenista contou que, das 1.516 partidas que disputou, venceu aproximadamente 80% (como mostrado acima). Mas, no total, conquistou “apenas” 54% dos pontos. Ou seja, no tênis de alto nível – como em qualquer esporte de alto rendimento – a vitória mora nos detalhes, e a diferença entre os adversários é mínima.
Muitas pessoas têm criticado de forma veemente a performance do Time Brasil nas Olímpiadas de Paris. Como tudo hoje em dia é ideologizado e polarizado, culpam o governo Lula pelo fiasco olímpico, já que, em edições anteriores – Tóquio (2020/21) e Rio (2016) -, fomos substancialmente melhores.
Não tenho a menor paciência para lacração política e achismos simplórios. Não se resumem questões tão abrangentes e complexas a esse ou aquele governo. A estrutura socioeconômica do Brasil data de 1.500, não se esqueçam. Em 524 anos de história não fomos capazes de nos tornar uma democracia desenvolvida, e ponto.
Heranças malditas importam
Não fomos capazes de superar as heranças malditas do Império: a escravidão, que disseminou o racismo; as capitanias hereditárias, que deixaram o coronelismo político; a Corte real, que permanece sob a forma de castas nos três Poderes e os privilégios setoriais dos apaniguados; a desigualdade social etc.).
Mantemos, como nação, as piores práticas trazidas pelos portugueses, e isso independe da ideologia vigente no Poder. Já passamos por militares, ditadores, direitistas, centristas, sociais democratas, esquerdistas e sei lá mais o quê. Nosso insucesso é filho de muitos pais, ainda que um e outro tenham sido superlativos.
O Brasil de hoje, repito, data de 1.500 e é fruto de tudo o que fizemos – e que não fizemos – de lá para cá. O esporte (como a educação, a cultura, a saúde e a segurança) é resultado de um trabalho contínuo, em que cada detalhe importa. Cada ano perdido, cada oportunidade desperdiçada, cada dinheiro desviado são décimos de segundos atrás.
Alhos e bugalhos importam
Muita gente acredita que, pelo tamanho da nossa população, seria natural – e obrigatório! – ganharmos mais medalhas olímpicas. Não. Não é assim que funciona. A Austrália e o Canadá são muito melhores do que nós em praticamente tudo. Por que não seriam, também, no esporte olímpico?
A Noruega é o país com o melhor rendimento olímpico em proporção à população, mas é, igualmente, um dos países com maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do mundo. Não há como comparar um atleta que nasceu e cresceu em perfeitas condições de saúde, alimentação, educação, ambiente familiar, etc. com alguém que não teve nada disso.
Se queremos o Brasil como potência olímpica, precisamos – primeiro e muito antes disso – nos transformar em um país desenvolvido. E isso é tarefa nossa, a partir dos políticos e governantes que elegemos. Culpar Lula, Bolsonaro ou sei lá quem pelos nossos fracassos, é transferir-lhes uma responsabilidade que é nossa. Assim como cada ponto do Federer, cada voto importa.
Fonte: O Antagonista
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