Condenação criminal, prescrição e lei da ficha limpa (uma análise jurídica sobre a situação política do senador Ivo Cassol)

Editors Choice

3/recent/post-list

Geral

3/GERAL/post-list

Mundo

3/Mundo/post-list
Na Mira do Povo

Condenação criminal, prescrição e lei da ficha limpa (uma análise jurídica sobre a situação política do senador Ivo Cassol)



Por Cássio Vidal* 

O hoje Senador da República Ivo Cassol foi denunciado pelo Ministério Público em 2004 e teve a denúncia recebida pelo STJ em 17.08.2005. Em 08.08.2013 o STF julgou procedente a denúncia e o condenou pela prática de crimes licitatórios contra a Administração pública.
Sob a ótica do instituto da prescrição penal retroativa, a pretensão de punição da pena fixada prescreve em 8 anos (tendo por base a pena adotada após julgamento dos embargos de declaração na data de 14.12.2017), a contar da data do recebimento da denúncia até a sentença condenatória.
Hoje, do recebimento até a data da sentença transcorreram-se 8 anos e 9 dias​, ou seja, prescrita a pretensão punitiva, na medida ainda que sequer houve o trânsito em julgado da condenação.
Nos termos da jurisprudência do TSE, a hipótese do Senador enquadraria-se, em tese, na inelegibilidade cominada no art. 1º, inciso I, alínea “e”, item 1, que determina que são inelegíveis os condenados por crimes contra a economia popular, a fé pública, a administração e o patrimônio público (Ac.-TSE, de 4.10.2012, no REspe nº 12922: os crimes contra a administração e o patrimônio públicos abrangem os previstos na Lei de Licitações).
Não obstante, colhem-se julgados, do TSE, no sentido de que o reconhecimento da prescrição por decisão judicial afasta os efeitos primários e secundários da condenação, mormente se se tratar de prescrição retroativa, antes do trânsito em julgado. Se fosse o caso de prescrição da pretensão executória, isto é, contabilizado o prazo prescricional após o trânsito em julgado, doutrina especializada diz persistir os efeitos da condenação, embora afastado o cumprimento da pena fixada pelo juízo criminal.
Dito de outra maneira, uma vez declarada a prescrição penal antes do trânsito em julgado, não há incidência de efeitos penais, dentre os quais, para o que aqui interessa, a incidência da inelegibilidade do item 1, alínea “e”, inciso I do art. 1º da LC 64/90 (com redação da LC 135/2010). Fosse após, trataria-se de prescrição da pretensão executória, a qual afasta apenas a execução da pena no âmbito criminal, subsistindo os efeitos da condenação para as demais áreas do Direito (efeitos secundários da condenação), conforme assentado no AgR-REspe n. 227-83.2012.6.26.0083/SP, Rel. Min. Luciana Lóssio, sessão de 23.10.2012.
No entanto, como visto, o caso do Senador é de pretensão da pretensão punitiva. Neste ponto, veja-se, por exemplo, o assentado no julgamento 1 do AgR-REspe n. 256-09.2012.6.26.0189 (sessão de 25.06.2013), quando do julgamento de registro de candidato a cargo de prefeito (eleições 2012):
RECURSO ESPECIAL - DIVERGÊNCIA DE JULGADOS. Considera-se atendido o permissivo legal referente ao cabimento do especial com base em divergência quando presentes, nas razões recursais, a abordagem do que decidido e impugnado e a transcrição de acórdão paradigma, ressaltando-se o conflito.
INELEGIBILIDADE - CONDENAÇÃO CRIMINAL - PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. Afastados, ante a prescrição da pretensão punitiva, os efeitos do título condenatório, descabe cogitar da inelegibilidade prevista na Lei Complementar nº 64/1990, com a redação decorrente da Lei Complementar nº 135/2010.
(Recurso Especial Eleitoral nº 25609, Acórdão, Relator(a) Min. Marco Aurélio Mendes De Farias Mello, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 30/08/2013)
[...]
No mais, continuo convencido do acerto da decisão atacada. Veio a ser declarada extinta a punibilidade pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva. O móvel da inelegibilidade, tal como previsto na alínea e do inciso I do artigo 1º da Lei Complementar n. 64/1990, é a existência de pronunciamento condenatório. Não há campo para estabelecer a distinção sustentada pelo agravante, ou seja, a persistência de efeitos eleitorais. Reconhecido o fenômeno , descabe cogitar de inelegibilidade (Agravo Regimental no Recurso Ordinário nº 160446, Relatora Ministra Cármen Lúcia, com acórdão publicado no Diário da Justiça Eletrônico de 10 de junho de 2011, e Recurso Especial Eleitoral nº 16633, Relator ministro Garcia Vieira, com acórdão publicado na sessão de 27 de setembro de 2000).
Importante destacar a decisão citada pelo acórdão acima, qual seja, o acórdão prolatado no AgRg-RO 160446, que assim pautou o entendimento da Corte Superior Eleitoral:
Eleições 2010. Indeferimento do registro de candidatura com base no art. 1º, inc. I, e, da Lei Complementar n. 64/90. Condenação criminal. Extinção da punibilidade em razão da prescrição da pretensão punitiva calculada sobre a pena em concreto. Constitucionalidade da Lei Complementar n. 2 135/2010 e de sua aplicação às eleições de 2010. Precedentes do Tribunal Superior Eleitoral. Prescrição retroativa afasta a incidência da hipótese de inelegibilidade. Precedentes do Tribunal Superior Eleitoral. ​Quitação eleitoral. Multa eleitoral sem caráter definitivo quando da formalização do pedido de registro. Recurso provido.
(…)
9. Em 2008, o Recorrente foi condenado pelo colegiado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal à pena de um ano e três meses de reclusão mais multa, substituída por pena restritiva de direitos (art. 44 do Código Penal), pela prática de crime contra o patrimônio (apropriação indébita, art. 168 do Código Penal). Contudo, o Tribunal de Justiça declarou extinta a punibilidade em virtude da prescrição da pretensão punitiva calculada sobre a pena em concreto.
(…)
12. O fato de o Superior Tribunal de Justiça ainda não ter julgado o recurso especial do Ministério Público contra a decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal que declarou a prescrição retroativa, não impede o deferimento do registro.
Nos termos do art. 11, § 10 da Lei n. 9.504/97, “as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade”.
(…)
Por fim, mas não menos importante, veja-se o que decidido no AgR-RO n. 1604-46.2010.6.07.0000/DF, Rel. Min. Marco Aurélio (sessão de 28.04.2011), ao deferir registro de candidatura à interessado ao cargo de Deputado Distrital:
7. Ademais, conforme assentei na decisão agravada, o Tribunal Superior Eleitoral manteve o entendimento de que o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva do Estado, de forma retroativa, elide a própria condenação do Agravado, afastando, assim, a incidência daquela hipótese 3 de inelegibilidade, mesmo após a entrada em vigor da Lei Complementar n. 135/2010.
Assim, em tese, salvo melhor juízo, o Senador não encontra-se abarcado pela incidência da inelegibilidade de que tratamos acima.
*Cássio Vidal - Advogado, Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/RO

Postar um comentário

0 Comentários